AULA 03/04
A LETRA DE CÂMBIO
Concluído o estudo referente aos aspectos gerais dos títulos de crédito,
podemos passar aos títulos de crédito em espécie, iniciando pela Letra de
Câmbio.
Histórico:
A formação da idéia de
letra de câmbio na Itália, no século XIV. Era muito comum a ocorrência de
emboscadas e grandes roubos ocorridos nas distantes e desertas estradas da
época, sendo muito arriscado portar moeda viva (valores), situação que,
convenhamos, não mudou muito nos dias de hoje. A solução para não carregar o
“dinheiro” era buscar um banqueiro de sua cidade, que tinha relação comercial
com outro banqueiro da cidade onde pretendia se dirigir, e lhe entregava os
valores. Em troca, recebia uma carta, uma ordem de pagamento, que dava tal
incumbência ao banqueiro de outra cidade, onde faria o pagamento. Assim, ao
invés de levarem o dinheiro em espécie, os comerciantes levavam a carta emitida
pelo banqueiro, documento que representava a soma a ser paga.
Foi a necessidade de
transportar valores para efetuar transações, e o perigo disso que deu origem ao
atual título de crédito, hoje de uso em todo o mundo. Concluindo-se, enviava-se
dinheiro de um local para outro através do instrumento do contrato de câmbio:
uma ordem de pagamento.
É muito fácil, frente à narrativa
acima, perceber que pelo menos três pessoas nessa operação: o banqueiro, que
recebia o dinheiro e expedia a carta - chamado sacador; aquele que
recebia a carta - o tomador ou beneficiário; e o encarregado do
pagamento - o sacado.
Atualmente,
o mecanismo é o mesmo: há o sacador que emite a letra de câmbio, entregando-a
ao tomador (credor), para que este receba do sacado (devedor).
A
letra de câmbio é o saque de uma pessoa contra outra, em favor de terceiro. É
uma ordem de pagamento que o sacador dirige ao sacado, seu devedor, para que,
em certa época, este pague certa quantia em dinheiro, devida a uma terceira,
que se denomina tomador.
É,
de forma resumida, uma ordem de pagamento à vista ou a prazo. Quando for a
prazo, o sacado deve aceitá-la, firmando nela sua assinatura de reconhecimento:
é o aceite. Nesse momento, o sacado se vincula na relação
jurídico-material, obrigando-se ao pagamento. Portanto, a relação se estabelece
entre três pessoas: o sacador, o sacado e o tomador. Entretanto, a lei faculta
que uma mesma pessoa ocupe mais de uma dessas posições. Nada impede que a letra
de câmbio possa ser sacada em benefício do próprio sacador ou o sacador seja a
mesma pessoa do sacado (LU, art. 3.º).
REQUISITOS DA LETRA DE CÂMBIO
O
formalismo é uma das principais características mais importantes e marcantes da
letra de câmbio, o que significa que ela deve conter determinados requisitos
preestabelecidos por lei para que surta todos os efeitos desejados. Assim, ela
deve conter:
1.
denominação “letra de câmbio” no seu contexto;
3.
o nome da pessoa que deve pagá-la (sacado);
4.
o nome da pessoa que deve ser paga (tomador);
5.
assinatura do emitente ou do mandatário especial (sacador).
Se
alguma diferença entre a importância declarada por cifra e a declarada por
extenso, valerá esta última, assim como ocorre nos cheques em nosso dia-a-dia.
Quando
da emissão da letra de câmbio, poderá a mesma ser sacada de forma incompleta. Porém,
se ela for assim emitida, por exemplo, sem o nome do tomador, poderá circular.
Mas seus requisitos devem estar totalmente cumpridos, antes da cobrança
judicial ou do protesto do título. Portanto, eu posso até, inicialmente, não
ter alguns dos itens enumerados acima. No entanto, quando da cobrança judicial
(ação de execução) a forma da letra deve estar de acordo com o disposto em lei,
tendo sido preenchida de boa-fé. É que o portador de boa-fé é considerado
procurador do sacador para completá-la. Evidentemente o preenchimento em
desacordo com o negócio firmado, em clara má-fé, poderá ser oposto como defesa.
A
explicação acima é sintetizada pelo disposto no art. 691 do CC/02:
“O título de crédito, incompleto ao tempo da emissão, deve
ser preenchido de conformidade com os ajustes realizados”.
Registre-se
que é somente o sacador quem a assina. A sua assinatura é requisito essencial
de validade (cc, ART. 889), o que se mostra como regra geral quando da análise
dos títulos de crédito.
DEMAIS REQUISITOS DA
LETRA DECÂMBIO
São
os seguintes:
1.
o lugar do pagamento;
“Considera-se lugar de emissão e de pagamento, quando não indicado
no título, o domicílio do emitente” (§
2º do art. 889, CC/02).
A
falta da indicação da data do vencimento não afeta a validade do documento. “É
à vista o título de crédito que não contenha indicação de vencimento” (§
1º do art. 889, do CC/02).
“Art. 889.. (CC/02). Deve o título de
crédito conter a data da emissão,...”.
A
data da emissão, a partir CC/02, passou a ser requisito legal. Contudo, dispõe
o art. 888 do CC que a “omissão de qualquer requisito legal, que tire ao
escrito a sua validade como título de crédito, não implica a invalidade do
negócio jurídico que lhe deu origem”.
O art. 888 do Código
Civil já vimos na parte geral da nossa matéria sobre títulos de crédito, quando
analisamos a confusão que a lei brasileira fez no que diz respeito às teorias
da emissão e da criação.
VENCIMENTO DA LETRA DE
CÂMBIO
O
pagamento do título deve ser efetuado pelo devedor no dia do vencimento (nada
mais óbvio). Pode ser:
a) à vista.
O
sacado (devedor) deve pagá-lo no ato de sua apresentação.
b) em dia certo. O sacado
deve pagá-lo:
1.
no dia do vencimento indicado no título;
ACEITE
A “Letra de Câmbio” sem
aceite não enseja execução forçada contra o sacado. O aceite, a assinatura do
sacado é que perfectibiliza a emissão do título. “Sem o aceite o sacado não se
vincula, não se torna devedor, não se gerando para ele qualquer obrigação
decorrente do título” (in RT 625/188).
O
aceite é o ato praticado pelo sacado que se compromete a pagar a letra de
câmbio no vencimento, assinando no anverso do título. Basta a sua assinatura,
ou a de seu mandatário especial, podendo ser acompanhado da expressão
esclarecedora tal como: “aceite” ou “pagarei”, ou ainda, honrarei”.
A
falta de aceite não extingue a letra de câmbio. O sacador continua o
responsável e o sacado nenhuma obrigação assumiu em relação ao título, embora
haja a menção do seu nome na letra.
Se
o sacado ao receber a letra de câmbio para o aceite não a devolve, retendo-a
indevidamente, está sujeito à prisão administrativa. Basta requerer ao juiz. O
art. 885 do CPC indica essa situação: “O juiz poderá ordenar a apreensão
de título não restituído ou sonegado pelo emitente, sacado ou aceitante; mas só
decretará a prisão de quem o recebeu para firmar aceite ou efetuar pagamento,
se o portador provar, com justificação ou por documento, a entrega do título e
a recusa da devolução.
Parágrafo único. O juiz mandará processar de plano o
pedido, ouvirá depoimento se for necessário e, estando provada a alegação, ordenará
a prisão”.
ENDOSSO DA LETRA DE
CÂMBIO
Sendo
a letra de câmbio um título de crédito, o endosso é perfeitamente admissível e,
havendo uma cadeia de endossos em preto, o último endossatário é considerado o
legítimo proprietário da letra. A regra é que a letra de câmbio possa circular
através de endosso.
A letra de câmbio, assim como todos os títulos de crédito, guarda a
característica da circulabilidade, isto é, a possibilidade dele circular,
trocando de credor.
Sendo o título ao portador, a transferência se faz pela tradição, que é a entrega do título por seu detentor a outra pessoa, que por sua vez passará a ser o novo credor (princípio da cartularidade).
O jurista Pedro Nunes, ensina que "endosso ("in dorsum", no dorso, nas costas) - Ato escrito no verso de um título de crédito ou documento, por meio do qual se transfere a terceiro a sua propriedade."
Geralmente o endosso
ocorre pela simples assinatura do credor no verso do título, e neste caso não é
necessário colocar o nome do endossatário, ou seja, se faz o endosso em branco,
porém o endosso pode ser também lançado na frente ou em folha ligada ao título,
nessas duas últimas hipóteses o endosso deve ser nominativo ou em preto, isto
é, precisa informar o nome do endossatário, como por exemplo, "Pague-se ao
Mário ou à sua ordem".
Assim sendo endosso é o
ato jurídico pelo qual se transfere um título de crédito à ordem, o credor do título
quando o transfere pelo endosso é denominado de endossante, e aquele que recebe
o título pelo endosso se chama endossatário.
No
entanto, caso o sacador inserir a expressão “não à ordem”, a letra não poderá circular
por meio de endosso (LUG, art. 11). Entretanto, como referido, o normal é que a
letra de câmbio contenha a cláusula “à ordem” e, assim, o credor poderá
negociar o crédito mediante um ato jurídico denominado endosso, consistente da
sua assinatura no verso ou anverso do título.
O
primeiro endossante será sempre o tomador; o segundo endossante é o
endossatário do tomador e assim sucessivamente. Não há qualquer limite para o
número de endossos. Quando o proprietário do título o endossa, torna-se
coobrigado solidário no pagamento (LUG, art. 15).
O CC/02 dispõe em seu
art. 914 caput e § 1º que:
"Art. 914.Ressalvada
cláusula expressa em contrário, constante do endosso, não responde o endossante
pelo cumprimento da prestação constante do título.
§ 1º Assumindo
responsabilidade pelo pagamento, o endossante se torna devedor solidário".
Porém as letras de
câmbio tem sua legislação na LUG, que assim afirma:
“Art.15. O endossante, salvo cláusula em contrário, é
garante tanto da aceitação como do pagamento da Letra".
Também determina a LUG, na primeira
parte do artigo 47 que:
"Os
sacadores, aceitantes, endossantes ou avalistas de uma Letra são todos
solidariamente responsáveis para com o portador."
Portanto, há
responsabilidade entre os endossantes frente ao portador.
O AVAL DA LETRA DE
CÂMBIO
A
letra de câmbio, como título de crédito que é, pode receber aval. O avalista é
responsável da mesma forma que o seu avalizado (LUG, art. 32), ou seja, o
avalista responde pelo pagamento do título perante o credor do avalizado e,
realizado o pagamento, poderá voltar-se contra o devedor.
O
avalista presta uma garantia ao credor do valor do título. É garantia própria
dos títulos de crédito.
PRESCRIÇÃO DA LETRA DE
CÂMBIO
A
prescrição, como a maioria de vocês já estudou na parte de teoria geral tanto
do direito quanto do processo civil, é a perda do direito de propor ação
judicial em conseqüência do não uso dela (falta de diligência do detentor do
direito), durante um determinado espaço de tempo previsto em lei. A prescrição da letra
de câmbio é a perda da execução judicial pelo seu não-exercício dentro do prazo
de três anos.
A
Letra de Câmbio vencida e não paga, o credor tem o direito de propor ação executiva
e, para tanto, terá o prazo de três anos a contar da data do vencimento da
cambial.
Caso o credor venha a
deixar passar esse prazo prescritivo, essa ação não será cabível. No entanto,
se deixar passar o prazo de 3 anos para o exercício da referida ação contra o
devedor principal e seu avalista, ocasião em que a letra perde a natureza de
título executivo extrajudicial, terá, ainda, o direito de propor ação
monitória, que é ação de conhecimento, a partir de prova escrita sem
eficácia de título executivo, para constituição de título judicial. É o que se
extrai da dicção textual do art. 1.102-A do CPC, que assim dispõe:
“Art. 1.102-A. A ação monitória compete a quem pretender,
com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, pagamento de soma
em dinheiro, entrega de coisa fungível ou determinado bem móvel”.
O prejuízo do credor será
imenso. Primeiro a correção monetária começa a incidir a partir da propositura
da ação, enquanto que, propondo ação executiva em tempo, a correção monetária
incidirá a partir da data do vencimento do título.
E, conforme inclusive já
tratamos na última aula, o mais difícil para o credor que não possui um título
de crédito corretamente constituído ou não o cobrou dentro do prazo
prescricional terá que provar a origem do título, pois, com a prescrição, o
documento “letra de câmbio” deixou de ser um título de crédito e passa a ser
indício de prova de existência de uma obrigação. Também traz prejuízo a demora
da penhora, pois antes poderá vir a contestação, a instrução, a sentença e o
recurso, o que se sabe, leva anos e anos.
A base da nossa matéria
está na letra de câmbio. Apesar de hoje ser um título de crédito em extinção,
serve para, de forma mais didática, verificarmos como funcionam os títulos de
crédito.
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