INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO CAMBIÁRIO
DA TEORIA GERAL
Importância:
Temos hoje na vida empresarial (e
também da sociedade em geral) a presença constante de títulos de crédito. Os
empresários emitem as chamadas duplicatas. Todos emitimos cheques, notas
promissórias, etc. Já ouvimos falar do protesto de títulos, portanto está na
hora de entendermos juridicamente esses institutos.
Os títulos de crédito guardam uma teoria toda peculiar, sendo necessária
a atenção a aspectos que diferem das regras gerais do Direito Civil. É preciso
tomar cuidado para não cair nas armadilhas da teoria geral dos títulos de
crédito.
O QUE É UM TÍTULO DE
CRÉDITO E SUAS CARACTERÍSTICAS
O conceito de título de crédito é trazido no artigo 887 do Código Civil,
que assim dispõe:
Art. 887. O título de
crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele
contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei.
O primeiro aspecto que vemos é quanto à necessidade de
documento. Tenho que ter um documento escrito e, em regra, físico (hoje temos a
duplicata eletrônica, mas ainda é exceção), o qual, dependendo de suas demais
características, poderá ser um título de crédito.
CESARE VIVANTE trouxe nitidez e conceituação à Teoria dos
títulos de crédito e é dele a grande obra sobre o tema. Ele definiu o título de
crédito como o “documento necessário para o exercício do direito literal e
autônomo nele mencionado.”[1] Vejam que a semelhança com o art. 887 não é
mera coincidência.
Os títulos de crédito são
documentos escritos (lembrem-se que a idéia de título de crédito verbal não
existe!!!!!!!!) que representam obrigações pecuniárias (importante
salientar que jamais uma obrigação de fazer, não fazer, dar coisa certa, por
exemplo, será representada por um título de crédito).
As obrigações que são representadas por um título de crédito podem ter origem extracambial, como de um contrato de compra e venda, ou de mútuo, exemplos bem clássicos e comuns., ou podem ter origem exclusivamente cambial, como é o caso da obrigação do avalista (o avalista é garantidor das obrigações firmadas no título de crédito).
E por que os títulos de crédito são estudados e tão usados pelos empresários em suas atividades? Em razão de duas características básicas: o título de crédito possibilita uma negociação mais fácil do crédito decorrente da obrigação representada (negociabilidade – facilidade de circulação do crédito) e a cobrança judicial de um crédito documentado por este tipo de instrumento é mais eficiente e célere (executividade – maior eficiência na cobrança).
Os títulos de crédito que forem emitidos da exata forma que a lei exige serão títulos executivos extrajudiciais, de acordo com o que preconiza o CPC, em seu art. 585, I). Os títulos de crédito são a primeira espécie de título executivo extrajudicial trazida no CPC.
Explica VIVANTE que “o direito contido no título é um direito literal, porque seu conteúdo e os seus limites são determinados nos precisos termos do título; é um direito autônomo, porque todo o possuidor o pode exercer como se fosse um direito originário, nascido nele pela primeira vez, porque sobre esse direito não recaem as exceções, que diminuiriam o seu valor nas mãos dos possuidores precedentes.”[2]
O importante é que entendamos
que o título de crédito é um documento, no qual é representada promessa de
prestação futura a ser realizada pelo devedor, em contrapartida à prestação
atual realizada pelo credor. Assim, entrego hoje a mercadoria e fico em posse
de nota promissória que representa o pagamento pela mercadoria entregue,
pagamento este que, por exemplo, ocorrerá somente daqui a 30 dias.
Apesar do título de crédito
incorporar, de certa forma, a obrigação assumida, não quer dizer que, caso o título
venha a ser perdido, se desfaça, evapore, o direito ao recebimento do crédito
também desapareça. A obrigação permanecerá existente até que o título de
crédito seja substituído ou resgatado (o autor Vivante sempre defendeu esta
idéia), ou não o sendo, poderá ser cobrada através de uma ação de cobrança
(rito ordinário que é mais lento e não tão eficiente quanto o rito da
execução).
Tal aspecto deve
ser estudado de acordo com as teorias que regem os títulos de crédito. Eis as
duas teorias:
Teorias da criação e da emissão dos títulos
de crédito
O que diz a primeira teoria a
ser estudada, a teoria da criação, é que o direito deriva tão somente da
criação do título, a partir do lançamento da declaração cambial originária, ou
seja, a assinatura do seu emitente (aquele que faz, produz o título).
Em consequência
disso, o eventual desapossamento (perda) do título por motivos alheios à
vontade do seu emitente, seja em virtude de furto, roubo ou perda, não faz
desaparecer a obrigação do subscritor. Rubens Requião, sendo um pouco
mais claro, diz que é o título que cria a dívida. A única condição que
se impõe a sua eficácia é a posse pelo primeiro portador, qualquer que seja
ela.
Por outro lado, a teoria
da emissão afirma que a simples assinatura do título não faz surgir vínculo
obrigacional algum, ficando na dependência da sua colocação voluntária em
circulação. “Sem emissão voluntária não
se forma o vínculo. Se o título foi posto fraudulentamente em circulação não
subsiste a obrigação.”[3]
A doutrina critica o direito
brasileiro, que na pretensão de filiar-se a uma das teorias acima mencionadas,
deixou a matéria confusa, não a solucionando de forma desejável. O Código Civil
de 2002, prevendo no parágrafo único, do art. 905 que “a prestação é devida
ainda que o título tenha entrado em circulação contra a vontade do emitente”
faz valer a idéia da teoria da criação, no qual a obrigação é criada juntamente
com o título.
Ocorre que o Código Civil de
2002 estabeleceu em seu artigo 909 que “O
proprietário, que perder ou extraviar título, ou for injustamente desapossado
dele, poderá obter novo título em juízo, bem como impedir sejam pagos a outrem
capital e rendimentos.”
O Código de 2002 acabou
confuso, pois demonstra querer fortalecer a segurança e executividade dos
títulos de crédito, porém também manter a ligação entre os mesmos e a obrigação
que lhes deu origem.
Analisando-se a Lei de Duplicatas (Lei n° 5.474/68), também
percebemos tal confusão, uma vez que se pode concluir claramente que a
destruição do título não faz, necessariamente, desaparecer o direito cartular,
em virtude da possibilidade de obtenção de uma triplicata. Disso podemos
concluir que a obrigação não pode ser subestimada quando da análise da eficácia
e rerpresentatividade do título de crédito.
Ademais, o Código Civil de 2002, em seu artigo 888,
demonstra ter sido este o entendimento adotado pelo legislador brasileiro, ao
estabelecer:
“Art. 888. A omissão de qualquer requisito legal, que tire ao
escrito a sua validade como título de crédito, não implica a invalidade do
negócio jurídico que lhe deu origem.”
O que se pode concluir é que o direito não desaparece com o
desaparecimento do título de crédito. Ou seja, se o título tiver algum vício
formal não quer dizer que a obrigação está acabada, mas sim que não poderei
usar aquele título como forma mais coercitiva de cobrar a dívida.
Apesar da confusão feita pelo
legislador no CC/20, os operadores que tratam da matéria concernente aos
títulos de crédito devem analisar o disposto nos artigos 16 e 17 da Lei
Uniforme de Genebra (Dec. 57.663/66), da qual o Brasil é signatário, uma vez
que o referido Decreto está em vigor e é lei especial, ou seja, se sobrepõe à
lei geral (CC/02).
Os artigos 16 e 17 da LUG[4]
protegem o terceiro de boa-fé (aquele que recebe o título sem nem mesmo
conhecer a obrigação que lhe deu origem), o que deve prevalecer frente à
proteção ditada pelo Código Civil para o que foi injustamente desapossado do
título, tornando, assim, forte a inclinação do direito brasileiro pela teoria
da criação, que representa o melhor estágio do pensamento jurídico universal à
respeito da análise dos títulos de crédito.
Na mesma linha está a Lei do
Cheque (lei n° 7.357/85), no art. 24, ao firmar queque “Desapossado alguém de
um cheque, em virtude de qualquer evento, novo portador legitimado não está
obrigado a restituí-lo, se não o adquiriu de má-fé”.
Terminada a discussão
(terminada não, pois a controvérsia persiste) acima travada, podes-se iniciar o
estudo das principais características-princípios dos títulos de crédito que
são: a carturalidade, a literalidade e autonomia, não sem antes, contudo,
abordarmos as teorias que giram em torno da natureza da obrigação cartular.
[1] VIVANTE, Cesare. Trattato di diritto commerciale, 5ª ed., vol. III, Ed Vallardi,
Milão, 1934, pp. 63 e 164.
[2] VIVANTE, Cesare. Instituições de direito comercial. Tradução e notas de Ricardo
Rodrigues Gama, Editora LZN, Campinas-SP, 2003, p. 152.
[3] REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 2º vol, 23ª ed., Saraiva, São Paulo,
2003, p. 363.
[4] “Art. 16. O detentor de uma letra é
considerado portador legitimo se justifica o seu direito por uma serie
ininterrupta de endossos, mesmo se o último for em branco. Os endossos
riscados consideram-se, para este efeito, como não escritos. Quando um endosso
em branco é seguido de um outro endosso, presume-se que o signatário deste
adquiriu a letra pelo endosso em
branco. Se uma pessoa foi por qualquer maneira desapossada de
uma letra, o portador dela, desde que justifique o seu direito pela maneira
indicada na alínea precedente, não é obrigado a restituí-la, salvo se a
adquiriu de má-fé ou se, adquirindo-a, cometeu uma falta grave.” “Art. 17. As
pessoas acionadas em virtude de uma letra não podem opor ao portador exceções
fundadas sobre as relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores
anteriores, a menos que o portador ao adquirir a letra tenha procedido
conscientemente em detrimento do devedor.”
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